O Brasil e o Mercado de M&A: Governança, Transparência e o Horizonte de 2026
Em 2016, escrevi sobre como as empresas poderiam se apresentar ao mercado de M&A, especialmente por meio da aplicação dos princípios de Governança Corporativa.
Naquela ocasião, destaquei:
“Analisando o momento econômico no qual o Brasil se encontra (caos político e financeiro), o ativo brasileiro, quando confrontado com moedas fortes mundiais, encontra-se extremamente defasado. A desaceleração da economia, a alta da inflação e dos juros, a ausência de reforma tributária e política e a pouca segurança jurídica colocam o Brasil numa rota de colisão com o mercado de M&A.” (Jornal Estado de Minas, 2016)
À primeira vista, o trecho poderia muito bem ter sido escrito hoje. O Brasil de 2025 ainda enfrenta incertezas políticas, instabilidade fiscal e dificuldades em avançar nas reformas estruturais que poderiam destravar seu potencial de crescimento. A volatilidade cambial e o custo elevado do crédito seguem como desafios permanentes. Ainda assim, o cenário guarda uma lição importante que se repete ao longo dos ciclos: a instabilidade continua sendo o combustível das oportunidades.
Nos últimos anos, o pós-pandemia escancarou um contraste nítido na economia brasileira. De um lado, empresas capitalizadas, com caixa saudável e apetite por expansão. De outro, companhias fragilizadas, pressionadas por dívidas, dificuldades de refinanciamento e margens comprimidas — os chamados Distressed Assets. Essa assimetria atraiu fundos especializados, dispostos a investir em ativos depreciados e negócios em crise, mas com potencial de turnaround. Ainda assim, mesmo os investidores oportunistas exigem o que antes era opcional: transparência, rastreabilidade e confiabilidade contábil. Comprar barato não significa comprar sem diligência.
Por outro lado, empresas financeiramente equilibradas só conseguirão alcançar avaliações justas se estiverem preparadas. Ter balanços auditados, controles internos sólidos e governança ativa deixou de ser um diferencial para se tornar um pré-requisito. Em um mercado global cada vez mais técnico, a preparação é o fator que define o valor.
Essa percepção não é nova. Em 2010, o IFC — braço do Banco Mundial — publicou um estudo demonstrando que investidores em países emergentes estavam dispostos a pagar mais por empresas que adotassem boas práticas de governança. Treze anos depois, em 2023, o próprio IFC e a gestora global Amundi reforçaram esse ponto ao analisar a evolução dos títulos verdes e instrumentos de dívida sustentável. O relatório foi categórico ao afirmar que o investidor contemporâneo busca, além de retorno, rastreabilidade, impacto mensurável e transparência — três pilares que passaram a ser viabilizados por tecnologias como blockchain e ferramentas avançadas de verificação de dados ESG.
Com isso, temas como ESG, LGPD, IFRS, Compliance, Governança e estrutura societária deixaram de ser diferenciais competitivos e se tornaram o mínimo necessário para quem pretende participar de rodadas de investimento, fusões, aquisições ou mesmo processos de sucessão empresarial. O mercado hoje não remunera improviso; remunera consistência.
É fundamental que os executivos e acionistas compreendam que fusões, aquisições e incorporações não são apenas reações à crise, mas instrumentos de crescimento, modernização e perpetuidade. A decisão de buscar um parceiro estratégico, vender participação ou atrair capital não deve ser feita sob pressão, e sim como parte de um planejamento estruturado. Um processo de M&A bem conduzido segue etapas rigorosas, que vão da preparação e due diligence à negociação contratual, reorganização societária, assinatura e integração pós-fechamento.
Essas fases exigem maturidade empresarial e organização documental. Companhias que mantêm demonstrações auditadas, relatórios financeiros em conformidade com padrões internacionais e histórico societário claro possuem maior credibilidade e alcançam valuations superiores.
O ano de 2025 marca um período de readequação no mercado de M&A brasileiro. Há um movimento visível de retomada, mas com critérios muito mais rigorosos. De acordo com dados do NeoFeed, os fundos de private equity acumulam cerca de US$ 2,59 trilhões em caixa disponível — um volume recorde que pressiona as gestoras a alocar capital, ao mesmo tempo em que as força a buscar operações de qualidade. Esse excesso de liquidez global cria oportunidades, mas também aumenta a seletividade. O Brasil, com todas as suas contradições, segue como destino atraente, sobretudo em setores como infraestrutura, energia limpa, agronegócio, tecnologia, logística e saúde.
A maior previsibilidade dos juros, ainda que elevados, aliada à tramitação das reformas tributária e administrativa, contribui para a renovação do interesse dos investidores estrangeiros. Contudo, essa retomada não é automática: depende da capacidade das empresas brasileiras de demonstrar governança compatível com os padrões internacionais de investimento.
O comportamento do investidor em 2025 é, acima de tudo, técnico e orientado por dados. Fundos e family offices buscam negócios com histórico contábil íntegro, práticas ESG auditáveis e processos de compliance contínuos. O avanço da tecnologia transformou a maneira como o mercado analisa oportunidades. A utilização de inteligência artificial, aprendizado de máquina e automação em due diligences permite mapear riscos e inconsistências com rapidez inédita. Isso significa que empresas com informações descentralizadas, contabilidade manual ou falhas documentais tendem a ser imediatamente desvalorizadas.
Além dos números, há um fator muitas vezes subestimado: a cultura organizacional. A integração pós-fusão é uma das fases mais críticas do M&A. Estudos internacionais apontam que mais de 60% das transações não atingem o retorno esperado por falhas de alinhamento entre pessoas, estilos de liderança e processos. Por isso, o “arrumar a casa” deve ir além do compliance. É necessário cuidar da sucessão, da comunicação interna, da retenção de talentos e do alinhamento de propósito. O capital global valoriza tanto a integridade financeira quanto a coerência cultural.
À medida que 2026 se aproxima, o mercado caminha para uma fase que pode ser chamada de maturidade seletiva. O volume de capital continuará alto, mas a exigência por qualidade aumentará. O investidor passará a privilegiar empresas que demonstrem governança sólida, sustentabilidade comprovada e impacto social mensurável. Essa tendência já é clara nos relatórios das gestoras internacionais e nas teses de investimento dos fundos soberanos.
O calendário eleitoral brasileiro de 2026 deve adicionar um elemento de volatilidade, especialmente no segundo semestre, quando muitas decisões de investimento tendem a ser postergadas. Entretanto, o histórico mostra que os períodos pós-eleitorais costumam reaquecer o mercado, abrindo espaço para transações represadas e novos aportes estratégicos.
A tecnologia seguirá desempenhando papel central. Ferramentas de IA aplicadas à due diligence, blockchain para rastreabilidade de contratos e plataformas automatizadas de governança tendem a reduzir custos e riscos jurídicos. As empresas que internalizarem esses mecanismos estarão mais bem posicionadas para competir em um ambiente onde agilidade, transparência e credibilidade serão determinantes.
Os setores mais promissores para o ciclo de 2026 incluem infraestrutura e energia, com foco em transição energética e concessões; agronegócio e alimentos sustentáveis; tecnologia aplicada à produtividade industrial; saúde e biotecnologia; e educação digital voltada à capacitação técnica. Para o middle market e as empresas familiares, o próximo ano representará o momento de profissionalizar a gestão de forma definitiva. Negócios que apresentarem governança estruturada, sucessão planejada e clareza societária terão valuations mais elevados e acesso facilitado a investidores estratégicos.
Como observa @Marco Aurélio Rodrigues, sócio fundador da @Trade Consulting, “muitas empresas de capital fechado ainda veem a governança corporativa como burocracia. Na prática, ela é uma ferramenta estratégica que fortalece o negócio, reduz riscos e prepara a empresa para crescer de forma sustentável.” Essa visão resume o principal desafio — e a grande oportunidade — do empresariado brasileiro no novo ciclo de M&A: compreender que a governança não é um obstáculo, mas o próprio caminho para a valorização e a perenidade.
O mercado de M&A no Brasil entra, portanto, em um ciclo de consolidação. Depois de anos de volatilidade e ajustes, o país volta a figurar no radar do capital global. Mas o diferencial agora não é apenas o timing — é o preparo. Empresas que enxergarem o M&A como instrumento estratégico, e não como uma saída emergencial, colherão resultados sustentáveis e duradouros. As que continuarem apostando na informalidade e na falta de estrutura permanecerão à margem.
O ciclo de 2026 deixará claro que, em M&A, o preparo não é custo: é ativo. E, como todo ativo bem estruturado, tende a se valorizar no tempo.

