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30 de outubro de 2025

A Dedutibilidade do Ágio em Operações de Aquisição com Investida com Patrimônio Líquido Negativo: Perspectivas Jurídicas e Tributárias

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Resumo

O presente artigo aborda a problemática da dedução do ágio em operações de aquisição que envolvem empresas com patrimônio líquido negativo ou passivo a descoberto. O texto explora a interpretação jurídica vigente, com base na jurisprudência do CARF, nas soluções de consulta da Receita Federal e nas principais diretrizes da doutrina tributária. A proposta é proporcionar uma análise crítica sobre a aplicabilidade do ágio em tais situações e discutir as condições para que este seja reconhecido como dedutível, considerando a substância econômica da operação.

Palavras-chave: Ágio, Dedução Tributária, Patrimônio Líquido Negativo, CARF, RFB, Goodwill, Mais-Valia, Passivo a Descoberto.

  1. Introdução

No campo tributário, o ágio desempenha um papel crucial ao representar o valor pago em aquisições de participações societárias, que excede o valor do patrimônio líquido (valor justo líquido de ativos e passivos) da empresa adquirida. Tradicionalmente, o ágio está associado à expectativa de fluxos de caixa futuros, refletindo a mais-valia de uma empresa. Porém, quando a investida apresenta patrimônio líquido negativo ou passivo a descoberto, a dedução do ágio torna-se um tema controverso, com diversas implicações fiscais e jurídicas.

O debate sobre a dedução do ágio em tais cenários é alimentado pelas dificuldades em justificar o valor pago por uma empresa que não possui um patrimônio robusto. Este artigo visa analisar como a legislação tributária brasileira, a jurisprudência do CARF e as soluções de consulta da Receita Federal tratam essa questão, oferecendo uma visão crítica sobre as condições necessárias para que o ágio seja dedutível, mesmo em situações financeiras desfavoráveis da investida.

  1. Fundamentação Jurídica

2.1 O Conceito de Ágio e Sua Importância Tributária

O ágio é a diferença entre o valor pago por uma empresa na aquisição de outra e o valor do seu patrimônio líquido contábil. Esse valor adicional, frequentemente relacionado ao goodwill ou à mais-valia, representa a expectativa de rentabilidade futura da investida, incluindo fatores como marca, reputação, tecnologia ou contratos vantajosos. A dedução do ágio, no entanto, não é automática e deve ser cuidadosamente justificada.

O tratamento tributário do ágio é regulado pela legislação brasileira, incluindo o Decreto-Lei nº 1.598/77 e a Lei nº 12.973/2014. A dedução do ágio só é permitida quando há comprovação de que o valor pago reflete um valor substancial, ou seja, uma expectativa legítima de rentabilidade futura. Isso é especialmente importante quando a investida apresenta passivo a descoberto, pois, nesse caso, a Receita Federal e o CARF exigem uma análise mais detalhada para garantir que o ágio não esteja sendo usado para mascarar perdas ou manipular o valor da aquisição.

2.2 A Jurisprudência do CARF sobre o Ágio em Empresas com PL Negativo

O CARF, responsável por julgar recursos administrativos de contribuintes, tem consolidado uma interpretação restritiva sobre a dedutibilidade do ágio quando a empresa adquirida apresenta patrimônio líquido negativo. Em diversas decisões, o CARF entendeu que o valor do ágio não pode ser justificado com base no passivo a descoberto da investida, especialmente quando o Método de Equivalência Patrimonial (MEP) da empresa adquirida é zero.

Acórdão nº 1201-003.693 (Sanofi/2015): Esse acórdão é emblemático, pois reafirma que, em caso de patrimônio líquido negativo, o valor do investimento será zero para efeitos de ágio, e o valor pago não pode ser utilizado para aumentar a base de dedução do imposto. Esse posicionamento enfatiza a necessidade de que o ágio seja decorrente de expectativas reais de geração de caixa, e não apenas uma cobertura contábil de déficits patrimoniais.

2.3 O Ágio por Goodwill e Mais-Valia

Embora o CARF tenha se mostrado restritivo quanto à utilização de passivos a descoberto para a base de cálculo do ágio, a doutrina tributária e alguns acórdãos têm reconhecido que é possível justificar o ágio em aquisições, mesmo com PL negativo, desde que este represente expectativas futuras de geração de caixa.

A mais-valia ou goodwill é um exemplo clássico, onde o valor pago acima do patrimônio líquido pode ser deduzido se houver um fundamento econômico sólido, como a expectativa de lucratividade futura da empresa adquirida. Esse entendimento é reforçado por estudos de mercado que indicam que, mesmo em situações de passivo a descoberto, o valor pago pode refletir potenciais intangíveis da investida, como a fidelização de clientes ou a exclusividade de contratos.

Artigo de Gabriel Bez-Batti (2025): Bez-Batti discute as implicações do ágio em PL negativo, argumentando que o reconhecimento de goodwill e mais-valia é válido se houver projeções econômicas fundamentadas, independentes do estado contábil da investida.

2.4 Precedente Favorável: Acórdão nº 1101-000.766 (2012) – Rede Globo

Um precedente importante é o Acórdão nº 1101-000.766 (2012), que envolveu a Rede Globo e tratou da dedutibilidade do ágio em uma operação de aquisição em que a investida apresentava passivo a descoberto. Neste caso, o CARF determinou que o ágio deveria se limitar ao valor efetivamente pago pela empresa investidora, sendo irregular a ampliação do ágio com base no passivo da investida.

O acórdão é relevante porque demonstra que o ágio deve ser justificado pela substância da operação, ou seja, não pode ser artificialmente inflado com base no passivo a descoberto. Esse julgamento oferece um precedente favorável ao contribuinte, pois limita a base de cálculo do ágio à quantia realmente desembolsada pela empresa adquirente.

  1. Análise de Risco e Estratégias para Dedução de Ágio

3.1 Riscos Associados à Dedução de Ágio em Empresas com PL Negativo

Embora o ágio possa ser dedutível em operações envolvendo empresas com patrimônio líquido negativo, existem diversos riscos associados à fiscalização tributária e ao questionamento por parte da Receita Federal e do CARF:

  • Risco de glosa total ou parcial: Se não houver substância econômica na operação, ou se o ágio for considerado uma forma de cobertura de passivo da empresa investida, a dedução do ágio será glosada. O CARF tem sido firme em exigir provas robustas para sustentar o ágio.
  • Necessidade de laudo de avaliação independente: A falta de um laudo de avaliação robusto, que comprove a geração de valor futuro, pode resultar em glosa do ágio. O laudo deve demonstrar que o valor pago não se refere a um simples déficit patrimonial da investida, mas sim a uma expectativa legítima de rentabilidade futura.
  • Risco de questionamento da operação: Em operações de empresa veículo ou reorganizações societárias, há o risco de a Receita Federal ou o CARF entenderem que o ágio não reflete a realidade econômica da operação, mas sim uma estratégia para manipulação contábil.

3.2 Estratégias para Mitigar os Riscos

Para minimizar os riscos de glosa do ágio, a empresa investidora deve adotar as seguintes estratégias:

  1. Apresentação de laudo de avaliação: O laudo de avaliação independente é imprescindível para comprovar que o valor pago pela participação reflete uma expectativa futura de geração de caixa, e não uma tentativa de cobrir passivos negativos. O laudo deve ser elaborado por uma empresa especializada, com metodologia reconhecida e parâmetros econômicos transparentes.
  2. Comprovação da substância econômica da operação: Deve-se demonstrar que a operação de aquisição tem fundamento econômico legítimo, com projeções financeiras que justifiquem o valor pago, independentemente do PL negativo da investida.
  3. Estruturação da operação de forma transparente: A operação deve ser estruturada de forma a não levantar suspeitas de manobra contábil. A participação de terceiros independentes, a negociação transparente e a cláusula de pagamento condicionado podem ajudar a reforçar a legitimidade da operação.
  1. Conclusão

A dedução do ágio em operações de aquisição envolvendo empresas com patrimônio líquido negativo ou passivo a descoberto é possível, mas exige um cuidado especial na comprovação da substância econômica da operação. O laudo de avaliação independente e as projeções de fluxo de caixa são elementos essenciais para garantir que o ágio não seja questionado pela Receita Federal ou pelo CARF.

Em um cenário de fiscalização tributária rigorosa, a empresa investidora deve adotar uma abordagem estratégica para mitigar os riscos de glosa, demonstrando que o ágio reflete expectativas legítimas de rentabilidade futura e não apenas uma tentativa de cobrir passivos da investida.

Referências

  1. Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Regime de tributação das pessoas jurídicas.
  2. Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. Altera a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas.
  3. Acórdão nº 1201-003.693, Sanofi/2015.
  4. Acórdão nº 1101-000.766, Rede Globo/2012.
  5. BEZ-BATTI, G. “Ágio e PL Negativo: A Questão em Debate”. Revista Jurídica de Direito Tributário, 2025.

 

 


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