BOLETIM

14/03/24
Introdução ao Planejamento Patrimonial e Sucessório
Por Alexandre Pontes e João Paulo Morello, Head de M&A e TAX e Sócio Diretor do Coelho & Morello Advogados.

A importância do planejamento patrimonial e sucessório foi tratada, em sua grande maioria, por famílias que possuíam milhões em patrimônio, famílias essas ricas e abastadas. Com certeza, quem possui milhões em patrimônio tem inúmeras razões para não ver seus bens ruírem com a geração vindoura. Entretanto, o planejamento patrimonial e sucessório é válido também para quem tem apenas um ativo, ou seja, um apartamento ao menos, e que queira protegê-lo quando em sua falta (falecimento) ou mesmo em vida. Dessa forma, esse planejamento contribuirá, também, com a maneira como esse bem será transmitido ou repassado aos herdeiros.  

Existe uma crença popular a qual diz que a postergação do planejamento patrimonial e sucessório é diretamente proporcional ao aumento de vida de quem detém o patrimônio, ou seja, tratar desses assuntos em vida estaria “chamando” a morte para os seus patriarcas, o que são mitos e lendas. Postergar esses planejamentos, muitas vezes, acaba por destruir valores, amizades e sentimentos dentro de uma família e não são poucas as vezes em que isso acontece. Como dizem: quer conhecer a sua família? Espere o dia da repartição da herança. 

Diante do exposto acima, o objetivo deste artigo é mostrar que o planejamento deve ser realizado por todos aqueles que possuem patrimônio e queiram ver seus bens transmitidos aos seus herdeiros, de forma que esses tenham paz e tranquilidade para continuar o legado de seus pais. 

Provavelmente, muitos ainda não conhecem a importância desses planejamentos (patrimonial e sucessório). Desta forma, é necessário que se faça o esclarecimento da importância deles. 

O planejamento patrimonial e sucessório nada mais é que um procedimento de definição antecipada da sucessão do patrimônio familiar, ou seja, a decisão antecipada de como será a transmissão do patrimônio existente por meio da partilha em vida aos herdeiros, bem como a proteção de todo esse patrimônio. 

 

Tal planejamento é muito importante, pois, juntamente com ele, é possível permitir que o patrimônio familiar que foi conquistado ao longo da vida dos Patriarcas seja conservado, protegido e transmitido da forma mais célere, efetiva e segura aos herdeiros, evitando os gastos com o inventário, impostos e, principalmente, a possibilidade de conflitos entre os herdeiros, com a necessidade de judicialização do tema. 

Neste sentido, o ato de planejar a sucessão e o patrimônio não garante apenas a preservação dos bens imóveis, mas também da empresa familiar, visando estabelecer os limites e a forma de administração de todo o patrimônio além dos critérios e características técnicas profissionais e pessoais que o herdeiro deverá ter para assumir a gestão do negócio. fonte: Ricardo Arthur Kluge – OCP. 

Diante da importância e das definições sobre os planejamentos em questão, passaremos agora a discorrer sobre os modelos de planejamento, pois, com o planejamento adequado, pode-se assegurar a proteção e a perpetuação do patrimônio, garantindo, assim, uma boa gestão e provendo a harmonia familiar hodiernamente. Além de todas as vantagens apresentadas, temos ainda a economia com as custas judiciais, taxas específicas que incidem em processos judiciais e extrajudiciais de inventário e os impostos incidentes na sucessão, como o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e o Imposto de Renda (IR). 

Referente aos modelos de planejamento patrimonial e sucessório, podemos elencar alguns deles, conforme abaixo: 

  1. Testamento – Conforme estabelecido no código civil, o testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens disponíveis, ou de parte deles, para depois de sua morte.  

 

Conforme o Art. 1.845 e 1.846 do Código Civil/2002, bens disponíveis são aqueles que poderão ser sucedidos, que não os de direito aos herdeiros necessários. 

CAPÍTULO II
Dos Herdeiros Necessários 

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. 

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. 

 

  1. Doação – Conforme estabelecido no código civil, considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade (voluntariamente), transfere, do seu patrimônio, bens ou vantagens para o de outra. 
  2. Holding Familiar – É a empresa a qual tem por objetivo principal criar um local adequado para a discussão e solução de conflitos societários e familiares, bem como o alinhamento das diretrizes que serão adotadas para as empresas operacionais detidas pela holding. 
  3. Joint Tenancy – O Joint Tenancy with Rights Survivorship é uma estrutura de propriedade em condomínio (offshore), ou seja, dois ou mais sujeitos possuem titularidade sobre determinado bem em comum. Nesta situação, quando um dos joint tenants (proprietários) falecer, os direitos reais sobre a propriedade se concentram nos sobreviventes, sem a necessidade da realização de um inventário. 
  4. Trust – O trust é uma estrutura de planejamento patrimonial e sucessório na qual os bens são administrados por um terceiro em favor de um ou mais beneficiários. Em outras palavras, o proprietário contrata um serviço de gestão dos seus bens até que os familiares e/ou beneficiários os recebam no futuro. Embora já exista há tempos em outros países, o trust somente foi regulamentado no Brasil no final de 2023, pela Lei 14.754 que foi publicada em dezembro deste mesmo ano.  
  5. Fundação Privada estrangeiraÉ uma instituição jurídica que requer formalidades específicas; (i) alguns dos ativos do Fundador são transferidos, cedidos ou “doados” à Fundação Privada; (ii) uma fundação privada pode ser revogável; (iii) ela pode ser criada inter vivos ou causa mortis por meio de disposições testamentárias; (iv) é normalmente criada com o objetivo de gerenciar, preservar, administrar ou investir ativos para o benefício dos parentes próximos do fundador, assim como para obter confidencialidade e benefícios fiscais. Vale salientar que fundações brasileiras não admitem o seu uso para finalidade sucessória, por isso a estrangeira. 

A ideia deste artigo não é exaurir, tampouco esmiuçar cada um dos planejamentos patrimoniais e sucessórios existentes em nosso ordenamento jurídico e fora deste. Queremos apenas esclarecer que existem inúmeros planejamentos e, com toda certeza, um deles poderá ser utilizado independentemente do tamanho do patrimônio existente.  

Vale salientar que, para os planejamentos apresentados, não podemos esquecer o relacionamento existente nas famílias, como, por exemplo, namoro, união estável, casamento e união homoafetiva, pois todos esses causam efeitos na sucessão dos bens. 

Com a eminente Reforma Tributária – RT batendo a nossa porta, por meio da Emenda Constitucional 132/2023, faz-se necessário, caso seja possível, elaborar os planejamentos descritos acima, pois o ITCMD sofrerá mudanças em suas alíquotas vigentes, sendo essas majoradas e progressivas de acordo com a Resolução do Senado Federal de n° 9/1992.  

Lembrando que o ITCMD é um imposto estadual, o Estado de São Paulo foi o primeiro a elaborar o Projeto de Lei n° 7/2024 (PL 7/24), cuja redação prevê a alteração e progressividade das alíquotas do tributo em questão.  A eficácia das regras propostas em 2024 deverá observar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, de modo que as alterações propostas entrem em vigor a partir de 2025 e desde que decorrido o prazo de 90 dias contados desde a data da publicação da lei 

Corroborando o assunto abordado, não podemos esquecer uma recente decisão do STF, beneficiando o planejamento patrimonial e sucessório, com a não incidência do IR (ganho de capital) quando da incidência do ITCMD nos casos de sucessão patrimonial. 

Ementa: Direito tributário. Agravo interno em recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a renda. Ganho de capital. Antecipação de legítima. Ausência de acréscimo patrimonial. Vedação à bitributação. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso extraordinário com agravo interposto em face de acórdão que afastara a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por ocasião da antecipação de legítima (Lei n° 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, II). 2. Esta Corte possui entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente (RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio). Na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível. Acórdão alinhado à jurisprudência desta Corte. 3. O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva. 4. Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1387761 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 28-02-2023  PUBLIC 01-03-2023) 

De acordo com a decisão proferida pelo STF, não é possível admitir a incidência de dois impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD, ferindo assim o princípio da capacidade contributiva. Essa decisão é um grande avanço para a diminuição da carga tributária na sucessão de bens e direitos, também presente nos casos de planejamento patrimonial e sucessório. 

Por definição, o termo “capacidade contributiva” está definido em nossa Constituição Federal, Art. 145, § 1°: 

  • 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Enfim, conforme dito anteriormente, com o planejamento adequado, pode-se assegurar a proteção e perpetuação do patrimônio, sua boa gestão no presente e sua transmissão tranquila aos sucessores no futuro, promovendo a paz e harmonia familiar em eventos de estresse, como morte do proprietário/patriarca, e ganhar com a economia de impostos. 

O Departamento de Consultoria Tributária e Societária do Coelho e Morello Advogados acompanha atentamente os desdobramentos do tema e coloca-se à inteira disposição para dirimir quaisquer dúvidas que surgirem a partir da leitura e análise deste artigo.