A taxa Selic, como principal instrumento de política monetária do Banco Central do Brasil, desempenha um papel crucial na regulação da inflação e no estímulo ao crescimento econômico. Sua utilização para fins de correção monetária e como juros moratórios em situações de inadimplemento contratual suscita, no entanto, relevantes debates no âmbito do Direito Tributário, especialmente no que tange à incidência de tributos como o Imposto de Renda (IR), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o PIS e a COFINS.
A questão central reside em determinar se os valores recebidos a título de Selic, nesses casos, devem ser considerados como acréscimo patrimonial do credor, e, portanto, sujeitos à tributação, ou se possuem natureza meramente indenizatória, visando tão somente a recomposição do poder de compra da moeda corroída pela inflação.
Sob a ótica do direito privado, Bernardo Ribeiro de Moraes manifestou-se sobre o conceito de receita:
“O conceito de receita acha-se relacionado ao patrimônio da pessoa. Quem aufere receita, recebe um valor que vem alterar o seu patrimônio, a sua riqueza. Receita, do latim “recepta” é o vocábulo que designa recebimento, valores recebidos. Receita é o vocábulo que designa o conjunto ou a soma de valores que ingressam no patrimônio de determinada pessoa. Podemos definir receita como toda entrada de valores que, integrando-se ao patrimônio da pessoa (física ou jurídica, pública ou privada), sem quaisquer reservas ou condições, venha acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo.” (g.n)
Na mesma seara, o conceito contábil de receita, nos moldes da NPC 14/2001 do IBRACON, é a entrada bruta de benefícios econômicos durante o processo operacional da empresa que ocasiona em aumento do patrimônio líquido, excetuando-se o capital social.
Além disso, em acréscimo aos parágrafos anteriores, podemos mencionar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o guardião da CFB/88, por meio da decisão unânime do RE n.º 117.887-6/SP, em que “renda e provento de qualquer natureza” significa sempre “acréscimo patrimonial” como forma de melhor enfatizar o viés de acréscimo patrimonial do conceito de renda. O Min. Carlos Velloso ao relatar o referido recurso extraordinário dispôs: “não me parece possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda ou provento sem que haja acréscimo patrimonial”.
Diante do exposto acima, o presente artigo se propõe a analisar a natureza jurídica da Selic sob a ótica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), buscando esclarecer se a referida taxa deve ou não ser considerada irrelevante para fins de tributação, inclusive no que diz respeito ao PIS e à COFINS. Além disso, abordará a recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que manteve a incidência do PIS/Pasep e da COFINS sobre a correção da taxa Selic em restituição ou compensação de créditos tributários às pessoas jurídicas, analisando seus possíveis impactos e a necessidade de uma reflexão mais aprofundada sobre o tema.
A Selic, enquanto taxa básica de juros da economia, desempenha um papel crucial na regulação da inflação e no estímulo ao crescimento econômico. Além de sua função primordial, a Selic também é utilizada como parâmetro para o cálculo da correção monetária e dos juros de mora em situações de inadimplemento contratual.
Nesses casos, a Selic visa a compensar o credor pelo atraso no recebimento do valor devido, recompondo o seu poder de compra e garantindo que a mora do devedor não lhe cause prejuízo financeiro. Em outras palavras, a Selic busca preservar o valor real da obrigação, evitando que o credor sofra perdas em decorrência da desvalorização da moeda.
O STF, em diversas oportunidades, tem se manifestado sobre a natureza jurídica da Selic em situações de inadimplemento contratual. A Corte tem reiteradamente afirmado que, nesses casos, a Selic possui natureza indenizatória, visando a recompor o patrimônio do credor que foi corroído pela inflação durante o período de mora do devedor.
Em decisões emblemáticas, como o Recurso Extraordinário 574706, o STF deixou claro que a Selic não representa um ganho financeiro para o credor, mas sim uma compensação pelo atraso no recebimento do valor devido. Essa interpretação encontra respaldo no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, que impede que o credor obtenha vantagem indevida em razão da mora do devedor.
A natureza indenizatória da Selic também decorre da compreensão de que a inflação é um fenômeno que afeta a todos os agentes econômicos, corroendo o poder de compra da moeda ao longo do tempo. Assim, a correção monetária e os juros de mora calculados com base na Selic buscam apenas restaurar o valor original da dívida, garantindo que o credor não sofra prejuízo em razão da desvalorização da moeda.
Considerando a natureza indenizatória da Selic, o STF tem se posicionado no sentido de que os valores recebidos a título de correção monetária e juros de mora calculados com base na Selic não devem ser considerados como acréscimo patrimonial do credor para fins de tributação.
Essa posição encontra fundamento no princípio da capacidade contributiva, que exige que os tributos incidam apenas sobre valores que efetivamente representem aumento da riqueza do contribuinte. No caso da Selic, como visto, não há enriquecimento, mas apenas recomposição do patrimônio do credor.
Além disso, tributar a Selic como se fosse um rendimento poderia configurar uma forma de penalizar o credor que já foi prejudicado pelo atraso no recebimento do valor devido. Tal situação afrontaria o princípio da vedação ao confisco, que proíbe a utilização do tributo como instrumento de punição.
Essa mesma lógica se aplica à discussão sobre a incidência do PIS e da COFINS sobre a Selic. Ambos os tributos têm como fato gerador o faturamento ou a receita bruta das empresas, que representam o ingresso de novos recursos no patrimônio da pessoa jurídica. A Selic, por sua vez, não se enquadra nesse conceito, pois não representa um novo ingresso de recursos, mas sim a recomposição de um valor já existente.
Portanto, a incidência do PIS e da COFINS sobre a Selic configuraria uma distorção do sistema tributário, tributando como receita um valor que não possui essa natureza.
Recentemente, a 1ª Seção do STJ decidiu manter a incidência do PIS/Pasep e da COFINS sobre a correção da taxa Selic em restituição ou compensação de créditos tributários às pessoas jurídicas. A decisão, favorável à Fazenda Nacional, gerou controvérsia e reacendeu o debate sobre a natureza da Selic e sua tributação.
Embora a decisão do STJ mereça respeito, é importante destacar que ela não encerra a discussão sobre o tema. A natureza indenizatória da Selic, reconhecida pelo STF, e os princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco continuam sendo argumentos relevantes para questionar a incidência do PIS e da COFINS sobre a Selic.
Além disso, a decisão do STJ se baseou em uma interpretação literal da legislação tributária, sem considerar a natureza jurídica da Selic e os princípios constitucionais que regem o Direito Tributário. Essa abordagem pode ser questionada, especialmente diante da jurisprudência do STF, que tem adotado uma interpretação mais sistemática e teleológica da legislação, buscando harmonizar as normas com os princípios constitucionais.
A decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, embora não seja definitiva acerca da matéria, encontra óbice na jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema infraconstitucional, o que impede a revisão da questão em sede de recurso ordinário. Diante desse cenário, a única via processual remanescente consiste na interposição de embargos de declaração perante a 1ª Seção do STJ, limitados à alegação de obscuridade, contradição ou omissão no acórdão.
É importante destacar que a decisão do STJ, provavelmente, teve motivações políticas. As ações ganhas pelos contribuintes, referidas como “Tese do Século”, serão agora corrigidas pela Selic e sujeitas à tributação pelo PIS e pela COFINS. Isso resultará em um menor impacto no caixa da união devido a esses tributos.
A discussão sobre a tributação da Selic, incluindo a incidência do PIS e da COFINS, está longe de ser pacificada. A recente decisão do STJ, embora relevante, não encerra o debate e abre espaço para novas reflexões sobre o tema.
É fundamental que a jurisprudência e a doutrina aprofundem o debate sobre a natureza da Selic e sua tributação, levando em consideração não apenas a literalidade da legislação, mas também os princípios constitucionais e a jurisprudência do STF.
A busca por um sistema tributário mais justo e equilibrado exige que a tributação da Selic seja analisada de forma criteriosa, considerando sua natureza indenizatória e os impactos que a incidência de tributos como o PIS e a COFINS podem gerar para os contribuintes. Afinal, a Selic, em sua essência, não representa um ganho, mas sim a recomposição de perdas decorrentes da inflação, e tributá-la como se fosse um acréscimo patrimonial pode gerar distorções e injustiças no sistema tributário.
A equipe de Consultoria Tributária do Coelho e Morello Advogados coloca-se à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas sobre o tema deste artigo ou outros assuntos pertinentes.