Por Thiago Martins, Vinicius Morais, Fabiana Camargo e Bruno Cavarge
O licenciamento de softwares para uso ou comercialização sempre suscitou muitos debates no âmbito tributário. Contudo, após intensa disputa entre Estados e Municípios pela tributação da atividade pelo ICMS e pelo ISS, a questão foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao entender que se trata de hipótese de incidência do ISS.
A decisão da Corte Suprema motivou uma revisitação da Receita Federal do Brasil (RFB) em seu entendimento acerca da incidência do Imposto de Renda sobre as remessas efetuadas a companhias estrangeiras para pagamento de licenças de uso e comercialização de softwares, dando lugar a novas discussões.
Por ocasião da resposta apresentada na Solução de Divergência nº 27/2008, a Receita Federal havia firmado o entendimento no sentido de que os valores remetidos ao exterior em pagamento pela aquisição ou pela licença de direitos de comercialização de softwares de “prateleira” (não personalizados) não ensejava a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), nem da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-royalties).
A orientação da RFB se pautava no entendimento do STF que, à época, fazia distinção entre softwares personalizados e padronizados, para definir que os softwares produzidos em série e comercializados no varejo (softwares de “prateleira”) seriam mercadorias.
Dessa forma, concluiu-se que a remessa dos valores em contraprestação à licença consistia em remuneração por cessão de direito de comercialização e não de remuneração por exploração de direito autorial. Por outro lado, se tratando de licença de uso de software, a RFB entendia que era uma exploração de direito autoral remunerada mediante royalties. Portanto, a remuneração estaria sujeita à retenção do Imposto de Renda e à CIDE-royalties, conforme se infere da Solução de Consulta nº 133/2003 e Solução de Divergência nº 4/2016.
A partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.659/MG e do Recurso Extraordinário nº 688.223/PR, o STF passou a compreender que os critérios envolvendo a padronização, ou não, do software e o suporte em que oferecido não eram mais úteis para se distinguir se seria hipótese de incidência do ISS ou do ICMS.
Por entender que na confecção do software predominava o esforço humano, a Corte sedimentou que o licenciamento atraía a incidência apenas do ISS.
Diante do novo posicionamento do STF sobre o tema, a RFB decidiu rever sua orientação e, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 43/2021, definiu que as importâncias pagas, creditadas, entregues empregadas ou remetidas a residente ou domiciliado no exterior em contraprestação pelo direito de comercialização ou distribuição de software, enquadram-se no conceito de royalties e estão sujeitas à incidência do IRRF. E, através da Solução de Consulta Cosit nº 75/2023, o órgão reafirmou seu entendimento de incidir o IRRF sobre as remessas quando se tratar de contraprestação por licença de uso, por se constituir em royalty.
A orientação da RFB, entretanto, gera um aparente conflito com o entendimento da Suprema Corte, uma vez que se considera royalty o rendimento de qualquer espécie pago/recebido em razão do uso, fruição, exploração de direitos de terceiros, inclusive exploração de direitos autorais, conforme prevê o art. 22 da Lei nº 4.506/64. Enquanto a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o licenciamento se constitui em serviço. Neste caso, a remuneração não ostentaria a condição de royalty.
Em que pese as Soluções de Consulta produzam efeitos tão somente em relação ao contribuinte que a formulou, é importante que as empresas que mantém licenças de uso ou comercialização de softwares com empresas no exterior conheçam de antemão o entendimento da RFB.
Vale destacar que, além das questões normativas internas, o Brasil é signatário de tratados e convenções com outros países que disciplinam a tributação de remessas ao exterior a título de royalties, que, inclusive, têm previsão de alíquotas inferiores à de 15% para o IRRF.
Considerando que a remessa ao exterior em contraprestação à licença de uso ou comercialização de software também pode ensejar a incidência da CIDE-royalty, é preciso ter em mente que a norma que regula a CIDE prevê uma hipótese de isenção da contribuição, de que pode resultar numa redução da carga tributária equivalente a 10%.
Tendo em vista as particularidades que revestem o tema da tributação nas licenças de uso e comercialização de softwares e a multiplicidade de tributos envolvidos, mostra-se evidente a necessidade de as empresas que atuam no segmento contarem com profissionais qualificados.
O time Tributário do Coelho & Morello está à disposição para tirar quaisquer dúvidas sobre o tema.gt