BOLETIM

7/05/24
A Controvérsia das Empresas Veículo para Amortização de Ágio

Ao final de 2023, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu uma decisão sem precedentes e favorável aos contribuintes no caso REsp 2.026.473/SC (Caso Cremer). Essa decisão abriu caminho para o aproveitamento fiscal do ágio por rentabilidade futura, também conhecido como goodwill, em transações envolvendo ágio interno e empresas-veículo. Estas últimas são sociedades temporárias criadas com o propósito específico de receber um investimento e adquirir um ativo, muitas vezes atuando como intermediárias na operação. 

 

Apesar dessa nova jurisprudência, persiste uma lacuna legal relacionada ao uso de empresas-veículo, mesmo após a introdução da Lei nº 12.973/2014, que promoveu várias mudanças na legislação tributária, inclusive no que diz respeito à amortização fiscal do goodwill. Como resultado, os debates sobre esse assunto parecem estar longe de chegar a uma conclusão definitiva. 

 

As normas anteriores não impunham restrições ao aproveitamento fiscal do goodwill nessas situações, e embora a Lei nº 12.973/2014 tenha proibido explicitamente a dedução do ágio interno, ela não abordou diretamente o aproveitamento do ágio em transações envolvendo empresas-veículo. 

 

Devido a essa lacuna legal, a Receita Federal continuou a emitir uma grande quantidade de autos de infração, argumentando que as empresas-veículo eram criadas com o único propósito de reduzir impostos por meio do aproveitamento fiscal do ágio, sem um fundamento econômico legítimo para justificar a amortização do goodwill. 

 

Quando essas questões eram levadas ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), as decisões variavam dependendo das circunstâncias específicas de cada caso. Em algumas situações, as autuações eram mantidas quando o Carf considerava que não havia um propósito comercial genuíno por trás da utilização da empresa-veículo, além da dedução do ágio. Temos como exemplo o caso  Dufry (9101-006.789), onde o CARF negou a amortização do ágio ao considerar a empresa veículo inexistente 

 

Nos últimos cinco anos, o Carf proferiu várias decisões importantes sobre o assunto. Por exemplo, nos casos como Cacique (9101-006.049) e Claro (9101-006.486), onde, por maioria, decidiu-se a favor do contribuinte, argumentando que a legislação então vigente permitia a aquisição de participações societárias por meio de empresas-veículo, desde que outros requisitos fossem observados, como a confusão patrimonial e o efetivo desembolso de recursos. 

 

Recentemente O acórdão 9101-006.897 (Caso CSN Mineração) lançou um balde de água fria ao negar a amortização em um caso paradigmático. No caso em questão, a empresa veículo foi criada por investidores estrangeiros com o objetivo de unificar recursos e viabilizar a aquisição. Apesar da argumentação do contribuinte, o fisco prevaleceu, sustentando que a empresa não era a real adquirente e serviu apenas como artifício para a amortização. 

 

A decisão, tomada por maioria, baseou-se na constatação de que a negociação se deu antes da criação da empresa veículo, e esta não teve papel relevante na aquisição. O voto vencedor ressaltou que a existência de uma função real para a empresa poderia ter alterado o resultado. 

 

Essas decisões destacaram que buscar o ágio não é intrinsecamente ilegal, a menos que haja evidências de simulação ou outras irregularidades que justifiquem a invalidação do negócio em si. 

 

Esses exemplos demonstram que a utilização de empresas-veículo em operações legítimas, quando acompanhada de um propósito econômico válido, não deve ser um obstáculo à dedução fiscal do ágio. É importante observar que a oscilação na jurisprudência do Carf tem sido uma constante, mas as recentes decisões indicam uma tendência de permitir o uso de empresas-veículo quando há um propósito comercial legítimo. 

 

Embora a reintrodução do voto de qualidade no Carf possa influenciar futuras decisões sobre o assunto, a recente decisão do STJ no caso REsp nº 2.026.473/SC oferece uma luz no fim do túnel para os contribuintes. O tribunal validou o argumento de que a mera utilização de empresas-veículo, por si só, não impede o aproveitamento fiscal do ágio, desde que não haja disposição legal em contrário. 

 

Esta foi a primeira vez que um tribunal superior se pronuncia sobre o assunto, o que representa um precedente significativo e favorável aos contribuintes. Apesar disso, a lacuna legal persiste, e os contribuintes que optam por utilizar empresas-veículo devem continuar a fundamentar suas operações em motivos econômicos legítimos para evitar possíveis questionamentos fiscais. 

 

Em resumo, enquanto a jurisprudência administrativa e judicial continua a evoluir sobre o assunto, a questão fundamental permanece: como justificar o uso de empresas-veículo de forma que se sustente legalmente o aproveitamento fiscal do ágio, garantindo assim a segurança jurídica nas operações dos contribuintes. 

 

A Equipe Tributária do Coelho e Morello Advogados está a disposição para dirimir dúvidas que vierem a surgir referente ao assunto abordado neste artigo.