Por Thiago Martins e Ronaldo Celani
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, declarou nesta quinta-feira (9/2) a constitucionalidade de medidas como a apreensão do passaporte ou da Carteira Nacional de Habilitação, bloqueio de cartão de crédito, assim como a proibição de participar de concursos públicos e licitações, para garantir o pagamento de dívidas.
Trata-se de uma importante decisão que irá impactar diretamente o cumprimento das execuções.
No caso concreto (ADI 5941), o Partido dos Trabalhadores (PT), autor da ação, pediu a anulação do inciso IV do artigo 139 do CPC e a declaração da inconstitucionalidade de suas interpretações que restrinjam direitos constitucionais. O dispositivo autoriza o juiz a aplicar “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” para forçar o cumprimento de decisões judiciais.
A maioria do Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso VI, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Ao votar pela improcedência do pedido, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível, a seu ver, que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados.
Ele destacou, contudo, que o juiz, ao aplicar as técnicas, deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Também deve observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado. Segundo Fux, a adequação da medida deve ser analisada caso a caso, e qualquer abuso na sua aplicação poderá ser coibido mediante recurso.
Certo é que se trata de um avanço importante reconhecido pelo judiciário através do STF, pois é mais uma ferramenta útil para que credores obtenham recebimento de seus créditos em processos judiciais, pois a medida atingirá devedores de forma direta, impactando o seu dia a dia, e o obrigando assim a buscar quitar seu débito.
A má-fé processual, o ardil e as fraudes empreendidas nos feitos executivos devem ser punidos com maior rigor em defesa da efetividade da jurisdição e da utilidade de suas decisões, agregando, por conseguinte, valor e importância educativa aos jurisdicionados. Procedimentos como bloqueio de cartões e passaportes e suspensão da CNH são muitas vezes eficazes a terem resultados práticos no combate aos devedores especializados, visando à satisfação da execução.
A falta de rigor coloca em risco a efetividade jurisdicional, estimulando a inadimplência e encarecendo os financiamentos em detrimentos de todos aqueles cumpridores pontuais de suas obrigações contratuais, produzindo efeitos nefastos na economia.
Cabe ressaltar que até o presente momento a jurisprudência do TST é no sentido de rejeitar a adoção de medidas atípicas por entende-las abusivas, como se depreende, por exemplo, do acórdão publicado em 09/12/2022, nos autos n. 0010143-10.2021.5.03.0000, pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais:
(…) Contudo, esta Eg. Subseção consolidou entendimento no sentido de que a aplicação de medidas executivas atípicas de execução está condicionada a observância dos parâmetros de necessidade, adequação, razoabilidade e proporcionalidade. Assim, cabe ao julgador, ao determinar a ordem para cumprimento da decisão judicial, adotar
medidas efetivamente capazes de possibilitar o adimplemento da obrigação, de modo a evitar a simples penalização do devedor. No caso, a determinação de suspensão da Carteira Nacional de Habilitação da executada com a finalidade de forçar o cumprimento da obrigação, sem a indicação de elementos capazes de comprovar sua adequação e
utilidade, evidenciam a abusividade da medida.
Não obstante, é importante deixar claro que a finalidade da aludida norma não é a de impor penas ou restringir direitos, mas, meramente persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes de tal forma que lhe seja mais vantajoso pagar a continuar descumprindo a condenação que lhe foi imposta.
Todavia, antes do deferimento da medida atípica, entendemos que o julgador deve verificar os seguintes requisitos: (i) após o pedido expresso do requerente, faz-se mister que o juiz determine a intimação da parte contrária para se manifestar, sob pena de violar os artigos 9º e 10º, ambos do CPC; (ii) a medida atípica é subsidiária à medida típica, ou seja, primeiramente deve-se tentar os meios previsto na legislação para constrição patrimonial; (iii) a decisão que a aplica deve ser fundamentada nos moldes do artigo 489 do CPC, especialmente no que tange ao parágrafo segundo do indigitado artigo, que consagra a famigerada “regra da ponderação” e (iv) deve-se comprovar que o executado esteja praticando atos contrários à boa-fé, como fraudes patrimoniais, bem como desrespeito às ordens judiciais.
Eventuais discussões relativas à falta de proporcionalidade ou razoabilidade das medidas atípicas adotadas pelo juiz poderão ser travadas em concreto, por meio dos instrumentos recursais cabíveis, ocasião em que se fará o sopesamento dos bens jurídicos supostamente em conflito.
Portanto, caberá ao devedor demonstrar que a adoção de tais medidas é desproporcional, inadequada ou demasiadamente onerosa no caso concreto, por meio da interposição de recurso às instâncias superiores.
A Equipe do Coelho & Morello está à disposição para dirimir eventuais dúvidas.