BOLETIM

9/02/23
STF entende que não há modulação de efeitos em quebra da coisa julgada tributária

Por Thiago Martins e Bruno Cavarge

A última quarta-feira (08) foi um dia marcante para a Segurança Jurídica no Direito Tributário Brasileiro.

O STF acaba de concluir um dos julgamentos mais importantes em Direito Tributário (com reflexo em diversas outras áreas), ao fixar o Tema 885, que trata dos efeitos de suas decisões em controle concentrado de constitucionalidade sobre a coisa julgada favorável ao contribuinte nas relações de trato continuado.

Por unanimidade, a Suprema Corte foi favorável à quebra de decisões definitivas na área tributária quando há mudança de jurisprudência. Assim, por 6 votos a 5, o STF se manifestou contrário à modulação dos efeitos da decisão, pedida por empresas e contribuintes.

Além de Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, os ministros contrários à modulação foram Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e André Mendonça.

Portanto, o entendimento é que a cessação de efeitos da coisa julgada é automática diante de uma nova decisão do STF, não sendo necessário que a União ajuíze ação revisional ou rescisória.

Por outro lado, por maioria (7×4), o Supremo concluiu que, nestas decisões, deve haver respeito aos princípios das anterioridades anual e nonagesimal. Ou seja, a partir do julgamento do STF que restabelece a exigência do tributo, ficou definido que deverá ser observada a anterioridade temporal aplicável a cada espécie tributária, se a dos 90 dias, a chamada noventena ou ainda a anterioridade anual, já que funcionam como barreira à alteração repentina à exigência tributária.

O pleito era para que a decisão de hoje tivesse efeitos a partir da publicação da ata de julgamento de mérito dos recursos. Na prática, isso permitiria que a União cobrasse o tributo apenas a partir de 2023. Com a negativa, os contribuintes com decisão favorável transitada em julgada permitindo o não pagamento da CSLL serão obrigados a voltar a pagar o tributo desde 2007, data em que a Corte reconheceu a constitucionalidade da contribuição no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 15.

Em um breve resumo, a Suprema Corte decidiu que:

a) Sim, a decisão superveniente do STF altera automaticamente os efeitos da coisa julgada em relação relações tributárias de trato continuado, desde que ocorram em controle concentrado de constitucionalidade, com efeito erga omnes ou repercussão geral. Não impactam em relação aos julgamentos em controle difuso de constitucionalidade, que vinculam apenas os envolvidos.

b) No caso da CSLL, apesar da Corte haver se manifestado inúmeras vezes pela constitucionalidade da lei que a instituiu (Lei 7.689/88), não havia ainda proferido nenhuma decisão em controle concentrado quando da lavratura do auto de infração (2006), ou seja, a coisa julgada deveria ser respeitada e a autuação desconstituída.

c) Não obstante, decidiu que o primeiro julgamento sobre a matéria com caráter geral, ocorrido em 2007 (ADI 15), criou (nas palavras do Relator) “norma nova e em sentido contrário ao pleito dos contribuintes, vinculando todos à constitucionalidade da instituição da CSLL pela Lei nº 7.689/1988, de modo a prevalecer sobre a coisa julgada individual”. Ou seja, modificou todos os efeitos de todos os processos com trânsito em julgado até então, devendo os contribuintes passarem a recolher o tributo a partir de então, automaticamente.

d) Em suma: nas decisões do STF havidas em controle concentrado de constitucionalidade e nos processos submetidos ao rito da repercussão geral, haveria o nascimento de nova norma jurídica, portanto, deve-se observar os princípios da anterioridade relativos ao tributo respectivo, além da irretroatividade, tendo como marco temporal o julgamento concentrado do Tribunal com efeito “erga omnes”.

e) Firmou-se, assim, a seguinte tese: “ 1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

Como fica a segurança jurídica? A confiança nas instituições? O poder argumentativo dos contribuintes perante as teses existentes?

Entendemos que a decisão do STF se encontra equivocada por dois motivos. Primeiro por entender que decisão judicial incide, como se lei fosse ensejando a indevida conclusão de haver rescisão automática da coisa julgada com base em precedente vinculante daquela corte. Em segundo lugar, porque empregou mal o instituto da modulação de efeitos. O que deveria ter sido debatido nesse ponto era o momento a se iniciarem os efeitos da tese então fixada pelo STF, o que não necessariamente tem a ver com a eficácia prática da decisão no caso concreto.

Uma das bases do Estado de Direito é a coisa julgada, instituto jurídico que assegura segurança às partes acerca do direito discutido em um processo já encerrado. Sabemos que segurança jurídica é um dos itens mais escassos no Brasil, mas pelo menos para as partes em um processo transitado em julgado ela existia. Com essa decisão, até esse pouco de segurança jurídica cai por terra em prol de uma situação que pode se tornar surreal – em que até o passado pode passar a ser incerto.

Não se ignora que às vezes a jurisprudência é alterada e que isso traz uma realidade problemática, em que alguns contribuintes têm direitos assegurados por ações judiciais, ao passo que outros não, já que tiveram suas ações julgadas após mudança de entendimento. Isso estabelece um diferencial competitivo injusto, de fato. Por outro lado, a solução buscada pelo STF excede o que seria razoável ao estabelecer a quebra automática da decisão transitada em caso de mudança de jurisprudência. Com isso, o contribuinte volta à desconfortável situação que motiva a maioria dos processos, que é ter que depender da
interpretação de algum funcionário público sobre seu direito.

Um reflexo da referida decisão é que as empresas que possuíam ação individual para não pagar IPI ou se utilizavam da ação do SINDITRADE devem pagar o imposto A PARTIR DE JAN/2021, ou seja, 90 dias após a publicação da ata do julgamento no STF, ocorrida em set/2020.

Por fim, cabe ressaltar que para aqueles que se beneficiam de decisões judiciais que estão em clara consonância com a jurisprudência atual, nada muda.

Tal julgamento representa um marco na interpretação constitucional relacionada às discussões judiciais de exações tributárias. A partir dele, todos os contribuintes devem levar em consideração que os julgamentos supervenientes do STF podem afetar processos vencidos há décadas, com as devidas repercussões financeiras e jurídicas.

Portanto, os contribuintes têm que ficar atentos às mudanças de jurisprudência e adequar sua tributação, tornando a necessidade de contato com seus advogados ainda maior. Caberá ao interessado não apenas acompanhar a produção de novas normas jurídicas, mas, igualmente, as análises judiciais da matéria em controle concentrado de constitucionalidade e com repercussão geral.

A Equipe Tributária do Coelho & Morello está à disposição para dirimir eventuais dúvidas.